Reescrevendo a História dos Judeus no Amazonas
Por: David Salgado
Sabemos que a história tem pelo menos duas versões, a verdadeira e aquela que discorda e difere da primeira. Até mesmo na matemática, ciência tão exata, existem duas respostas para uma mesma questão (raiz quadrada de 4 pode ser 2 ou -2).
Na comunidade israelita de Manaus não poderia ser diferente.
Assim, estamos prestes a contar de novo a história desta comunidade. Por um lado, alguns fatos serão confirmados, até com mais detalhes e precisão, enquanto que, por outro lado, episódios serão totalmente recontados porque novas versões, com bem mais respaldo, serão trazidas ao conhecimento de todos.
Na verdade, estaremos reescrevendo a história dos judeus do Amazonas.
Há cerca de quatro ou cinco anos atrás, quando editava o jornal Amazônia Judaica, fui visitar um amigo em Manaus que era um de nossos colaboradores, Dr. Saul Benchimol e o mesmo então me disse:
– Salgado você ouviu falar do Jornal “FOLHA ISRAELITA” elaborado e dirigido pelo Sr. David Joseph Israel?
– É claro, lhe disse. Porém, não consigo encontrar exemplares deste jornal em lugar nenhum. O senhor teria alguns exemplares Dr. Saul?
– Não, infelizmente não os tenho. Mas Salgado, como diretor do Amazônia Judaica, na minha opinião, você deve fazer referência em alguma oportunidade, ao seu colega, ele foi um lutador, um judeu sionista e religioso e que manteve um jornal judaico na região, nos anos 50, durante mais de uma década.
Nunca mais esqueci aquela conversa e ela ficou gravada em minha memória. Logo, comecei a perguntar aos familiares do Sr. David Joseph Israel, em Manaus e em Belém, se alguém tinha algum exemplar do jornal para que eu pudesse escrever alguma matéria no AJ.
Nada encontrei, ou quase nada. Trouxeram-me, uma vez, uma edição do jornal mas constatei, que pouco poderia fazer já que nem completa estava. Assim mesmo, certifiquei-me, que datava de fevereiro de 1953. Verifiquei também que o jornal era um quinzenário feito em papel jornal tamanho A3, com seis ou oito páginas. Descobri que além do Diretor Responsável que era o próprio Sr. David Joseph Israel o jornal tinha um outro diretor: Diretor Redator seu filho mais velho, o Sr. Elias Joseph David Israel, recém falecido em Belém, que sua alma descanse em paz e sua esposa, filhos e demais familiares sejam confortados pelo Eterno, Bendito Seja.
Mas como não conseguiria escrever nada com uma única edição continuei perguntado aos familiares e amigos quem poderia ter um número maior de exemplares. Foi em vão.
O tempo foi passando e por motivo da minha Aliah encerrei o jornal Amazônia Judaica, mas não encerrei, entretanto, minha busca e procura pela coleção do jornal FOLHA ISRAELITA.
Alguns bisnetos do senhor David Joseph Israel vivem em Israel. E também um único neto, seu nome Daniel. Talvez minha última esperança.
O Daniel é o filho mais velho do Sr. Elias – o Diretor Redator – e vive em Israel há
muitos anos.
Como os encontros se realizam principalmente em alegrias na Terra Santa, graças ao bom D-us, estávamos eu e Simone no casamento de uma das filhas do amigo Samuel Pereira (Samuca é o nosso querido amigo que distribui bombons na sinagoga de Manaus no Shabat), e lá me encontrei com Daniel. Religioso com uma enorme barba, Daniel é casado e tem uma bela família repleta de filhos, saúde para todos.
Fui falar com ele dizendo-lhe:
– Daniel, tu és talvez a minha última esperança, já perguntei a quase todos os teus irmãos, tios, sobrinhos e ninguém sabe me dizer. Você ouviu falar do Jornal “FOLHA ISRAELITA” escrito pelo teu avô e teu pai?
Ele, respirou fundo, parecia pensar, talvez puxando de sua memória alguma vaga lembrança que pudesse condizer com a perguntar que lhe fiz. Logo, passou a mão por sua longa barba, e novamente parecia refletir até que então disse:
– Olha Salgado, eu fui encubido pelo meu pai, quando fiz minha Aliah no final dos anos 70 de trazer um grosso volume de jornais Folha Israelita. Era um livro grande, pesado, de capa dura, meio que esverdeada. Na época inclusive, confesso, nem folheei aquela preciosidade que tinha em mãos, e me arrependo profundamente.
– E o que fizeste com ele? Tamanha minha alegria e euforia que nem pesei muito minhas palavras.
– Fui incubido, como eu ia dizendo, de entregar o volume no Beit Hatfutsot – o Museu da Diáspora localizado na Universidade de Tel Aviv. E assim o fiz.
Aquela notícia me deixou tão contente, não tinha palavras para demonstrar minha felicidade, e pensar que os jornais estavam bem aqui, a mais de três anos que vivo em Israel e não sabia de nada disso. Agradeci ao Daniel pela informação e prometi a ele lhe avisar quando encontrasse os jornais.
Bem, agora era a minha vez de trabalhar para localizar aquela preciosidade e foi isso que fiz. Mas não foi tão fácil assim.
No Beit Hatfutsot me informaram que não existiam jornais arquivados e portanto não poderiam estar ali. Informaram-me que talvez no Centro de Pesquisa da Diáspora da Universidade de Tel Aviv, uma instituição de pesquisa e arquivo, talvez ali eu encontrasse o que estava procurando. Infelizmente, nada localizei.
Na realidade, todos tentam te ajudar, bibliotecárias, secretárias e todos se interessam pela tua história e assim, alguém me perguntou se eu já havia pesquisado na Biblioteca Nacional na Universidade Hebraica em Jerusalém. Achei um pouco estranho já que os jornais foram entregues em Tel Aviv.
Mas fui procurar, aliás nem precisei ir muito longe. Tudo o que se encontra na Biblioteca Nacional pode ser consultado pela Internet. O objeto de busca pode ser localizado e requerido, via internet, e assim, quando o pesquisador chegar a Biblioteca não precisará perder tempo, pois a solicitação já estará esperando pelo ansioso leitor.
Assim, fiz a pesquisa na rede mundial e… lá estava: “FOLHA ISRAELITA”: órgão da Coletividade Israelita Brasileira no Amazonas – Manaus, Brasil – 1949 a 1959.
Fiz a solicitação e lá chegando, na manhã seguinte, encontrei uma caixinha bem pequena com um rolo de filme. Logo conclui que os originais tinham sido micro-filmados. E foi só isso que me entregaram.
Mas, e o tal livro, grande e pesado que o Daniel disse que trouxe com ele?
Bem, esse ainda não foi encontrado.
Para mim foi uma meia decepção é verdade, mas não perdi muito tempo e fui logo ver o microfilme do jornal por tantos anos procurado.
Bem, o que posso dizer, é que temos em mãos, talvez, o único tesouro que pode servir de fonte de pesquisa histórica inédita da comunidade israelita de Manaus. São mais de dez anos do judaísmo em Manaus e redondeza, contados com muito amor e puro sionismo pelo jornalista David Joseph Israel pai dos inesquecíveis correligionários Vidal, Sami em Manaus e do recém falecido, Sr. Elias, em Belém, Redator Chefe do “FOLHA ISRAELITA”.
Portanto, com um pouco de paciência, boa vontade e recursos financeiros para fazer as cópias dos exemplares que estão micro-filmados, podemos em poucos meses conhecer uma parte da história de nossa comunidade que ainda não foi contada já que os arquivos não mais existem.
Em meu único encontro até agora com esse microfilme, já posso adiantar que será preciso corrigir fatos históricos importantes, e que serão trazidos à tona com respaldo documental. Tendo as condições indispensáveis, tenho a paciência, a boa vontade e o profissionalismo necessários para realizar esta pesquisa e sem dúvida a faria com muito amor e muita paixão do mesmo modo como os senhores David e Elias Israel editavam o “FOLHA ISRAELITA”.
Graças as nossas heranças trazidas por nossos antepassados, o judaísmo no Amazonas – Chai veKaiam – Vive e Existe. Porém, para continuarmos existindo temos que rever nossa história já que não existe futuro sem conhecermos o passado.
Jerusalém 14/09/2008
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