Fragmentos de Memórias
Por: Renato Athias
15/03/2019
Ontem, 7 de Adar (14 de março), em Manaus foi celebrada a Hilula do Rabino Jacob Azulay de abençoada memória. Organizada por Isaac Dahan, da Esnoga de Manaus.
O Rabino Azulay foi casado com Ledisia Benguigui Z”L’, que era a irmã de Moisés Benguigui Z”L. Seu Moisés, como chamávamos, em Belém, morava perto da praça do colégio Paes de Carvalho, onde eu estudei.
Morou e trabalhou por muitos anos em Alenquer, e foi companheiro muito íntimo de nosso avô Jacob Athias, como também do seu Shalom Dahan Z”L, e de outros, lá do baixo Amazonas.
Rabino Jacob Azulay Z”L na Esnoga em Manaus
Talvez seja oportuno dizer que termo Hilula é usado para se referir ao aniversário da morte de um tzadik , de sábio, de um chacham. Etimologicamente pareceria aos Yartzeit dos asquenazim. Mas, trata-se de uma celebração da memória diferente, pois surgiu na tradição do judaísmo marroquino. No dia da Hilula aqueles que conhecem muito bem o sábio se reunem para lembrar, contar suas memórias e rezar para a elevação de sua neshamá. Chem Arié”. relata em seu livro que “Hilula” está relacionada à palavra “Hallel”, que significa louvor. Lembramo-nos de seu Avodat Hashem, suas ações, suas midot (traços de personalidade), seu amor infinito pelas criaturas de D’us e especialmente sua proximidade com Hashem e os acontecimentos que foi vivenciado pelo tal Tsadique. Os sábios dizem que nesse dia a neshamá, a alma dos justos, une-se especialmente neste dia de maneira perfeita aos mundos celestes. O livro “Yam vakam” acrescenta a essa idéia de união que a palavra Hilula também vem de “Hatuna” (casamento).
O “Hatam Sofer” revela que a palavra Hilula e Sim’ha, alegria, estão ligadas. Os mestres chassídicos explicam que, no último dia da vida terrena de um justo, “todas as suas ações, seus ensinamentos e seu serviço a D’us” atingem o auge de seu impacto no mundo, por isso é “um grande alegria no céu por aceitar uma neshamá tão grande. A cada ano, no dia de sua Hilula, seu mérito é lembrado diante de Hakadosh Baruch Hu, este chama essa neshamá para criá-lo nos mundos superiores, e essa alegria é compartilhada novamente.
Pois bem, em 1975, quando eu ainda morava em Manaus, e de vez em quando visitava a esnoga da rua Leonardo Malcher, tive a oportunidade escutar o Rabino Jacob Azulay cantar no estilo bem marroquino na sinagoga. Em uma dessas visitas, Isaac Dahan, que era, e ainda é hoje, o Hazan e Shaliach Tzibur da Sinagoga de Manaus, me levou para falar com o Rabino Jacob e sua esposa Ledisia. Na ocasião ela me relatou fatos de nosso avô, quando eles ainda moravam em Salé e um pouco da vida do vovô no Marrocos, pois eles se conheciam de muito tempo, e me contou sobre meu bisavô Amram Ibn Shlomo Athias que era shohet em Salé. Falou mais sobre fatos da viagem do Marrocos pra Belém, pois ela, junto com meu avô viajaram no mesmo navio para o Brasil. Nessa ocasião, ela ficou muito triste, pois eu levava para ela, pessoalmente a notícia do falecimento do vovô Jacob, uns meses antes. Lembro desses momentos e outros tomando um chá de hortelã na casa deles nos fundos da sinagoga. Hoje, lembrando esses encontros, com essas pessoas, bem próximas, que todas se conheciam antes de chegar ao Brasil, falando em Ah’biah entre eles com muita alegria, pois vieram de uma mesma cidade, a pequena Salé.
O rabino Jacob Azulay serviu as comunidades de judeus marroquinos de Itacoatiara e Manaus por quase 60 anos. Como muito bem escreveu Isaac Dahan no convite para Hilula deste ano, o Rabino Jacob
“tinha um grande amor por seus semelhantes fazia com que seu trabalho religioso não se restringisse à comunidade israelita. Sempre ajudou a todos que o procuravam com orações e bênçãos para os enfermos de qualquer credo desde crianças de tenra idade aos mais idosos, todos filhos de um único Pai. Foi uma pessoa que dedicou sua vida ao serviço de Deus e dos homens, transmitindo carinho, palavras amigas e suas preces.”
Evidentemente, ele faz parte de um grupo de Tzadikim que construíram o judaísmo marroquino na Amazônia.
Shabat Shalom e Purim Sameach! 15/03/2019
Renato Athias
Professor no Programa de Pós-Graduação em Antropologia (PPGA) do Departamento de Antropologia e Museologia da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE)
Página de rosto de livro de Tefilá em Arbiah escrito em hebraico, impresso em Livorno, muito usado pelos judeus marroquinos na Amazonia. (Imagem cedida pelo Dr.Isaac Dahan).
Isaac Benchimol, Rabino Jacob Azulay e David Jose Peres na Inaugaração da Sinogoga de Manaus. Esta fotografia e a outra acima foram gentilmente cedidas pela Acervo da Revista Amazonia Judaica.
Jacob Athias na frente da linha de produção de sua Olaria Yaci, com o seu filho Salomão, médico do SESP em Alenquer
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