Presença Judaica na Amazônia

Preservação e Aculturação

Um estudo através do caso dos Elmaleh / Salgado

Por: Elias Salgado

O presente trabalho tem por objetivo, estudar a trajetória dos judeus oriundos do Marrocos, que imigraram para a Amazônia, o “Eldorado Verde”, a partir das primeiras décadas do século XIX.

Empreender uma análise da relação preservação – aculturação deste grupo, bem como realizar um recorte histórico no período da Segunda Guerra Mundial para avaliar duas questões centrais: o integralismo no Amazonas e seu cunho anti-semita (ou não), e a atuação dos judeus locais na “campanha da borracha”. (2)

As questões acima citadas serão abordadas através do estudo da atuação de Rubem Salgado na Secretaria de Estado de Fazenda e Finanças e na Superintendência de Abastecimento do Vale Amazônico (S.AV.A.)

A presença judaica na Amazônia tem início em torno de 1810 como podem comprovar a criação das duas primeiras sinagogas do Brasil: Shaar Hashamaim(1823 ou 1824) e Essel Avraham (1826 ou 1828) na cidade de Belém no estado do Pará, bem como as sepulturas encontradas no primeiro cemitério judaico daquela cidade: o da Avenida Soledade, fundado em 1848. A sepultura mais antiga, datada de 27 de sivan (maio/junho) de 1848 é de Mordechai Hacohen.

O primeiro pedido de naturalização e de licença para comerciar que se tem conhecimento (3) é do judeu marroquino José Benjó , foi solicitado no ano de 1823.

Outra citação bem antiga encontra-se no Jornal Kol Israel (Voz de Israel) editado pelo Major Eliezer Levy, em seu número de 8 de dezembro de 1919. Informa que a primeira licença para comerciar, dada pelo Governo Imperial do Grão-Pará e assinada pelo Marechal Francisco D Andrea, em 4 de julho de 1838, foi à firma de um comerciante judeu marroquino Simão Benjó para abertura de uma loja no largo do Pelourinho. Logo a seguir novas licenças concediam os mesmos privilégios às firmas de judeus marroquinos: Bendalak &Cia; Ana Fortunato; Salomão Levy &Irmão; Fortunato Cardoso; Duarte Aflalo entre outros.

As razões que motivaram a saída daqueles judeus em direção à Amazônia brasileira já foram anteriormente estudadas por Mirelman, (1987), Bentes (1989), Liberman (1990), Benchimol (1998) e se evidenciam por dificuldades de sobrevivência nos “mellahs” (bairros judeus), traduzidas por pobreza, super população e epidemias de cólera e peste bubônica, como as de 1790 e 1818.

O Professor Samuel Benchimol, em seu livro Eretz Amazônia – Os judeus na Amazônia (1998), aponta para uma conjunção de fatores de expulsão (como os vistos acima), aos quais acrescenta o apedrejamento de judeus vivos e mortos, a destruição de sinagogas, perseguições e sofrimentos; e fatores de atração , tais como:

1. A criação de escolas da Aliança Israelita Universal no Marrocos (4)

Segundo Benchimol, as escolas da Aliança Israelita em Tânger e Tetuan, “tiveram papel importante na educação e preparação de judeus, retirando-os da pobreza e ignorância em que viviam no Marrocos e estimulando-os a emigrar para outros países que pudessem oferecer melhores oportunidades para viver e manter as suas tradições judaicas” Além disso cita Vitor Mirelman, que informa que dos 417 rapazes formados pela escola da A. I. U. de Tetuan em 1862, 47% deixaram o país emigrando para outros países, inclusive o Brasil.

Sendo assim, com o apoio e a formação oferecida por aquelas escolas, “o emigrante judeu-marroquino ao se transferir para a Amazônia, já era um homem ou mulher educado para o trabalho e para vencer na vida”. A Aliança Israelita Universal de Marrocos ajudou a preparar os futuros líderes judeus da Amazônia, que se tornaram exportadores, viajando para o exterior para fechar negócios e assistir congressos e exposições, pois dominavam fluentemente o inglês e o francês.

Na época da crise da borracha, quando os exportadores ingleses, alemães e franceses abandonaram Manaus e Belém, coube aos judeus marroquinos brasileiros substituí-los nessas funções, fornecendo à sociedade local a liderança econômica e social necessária para sobreviver nas décadas de depressão e débâcle da borracha. ( Benchimol, 1998: 54).

2. Abertura dos portos brasileiros

Em 1808, sob a ameaça de invasão pelas tropas de Napoleão, a família real portuguesa abandona Portugal vindo instalar-se no Brasil.

Em 28 de janeiro de 1808 foi assinada a Carta Régia da Abertura dos Portos às Nações Amigas, sob influência do Visconde de Cairú.

A Carta Régia revogava todas as leis e ordens anteriores “que até aqui proibiam neste Estado do Brasil o recíproco comércio e navegação entre os meus vassalos e estrangeiros”.

Em 18 de junho de 1814, novo decreto é assinado pelo Príncipe Regente D. João, abrindo os portos em caráter definitivo a todas as nações amigas, sem exceção.

A Carta Régia e o Decreto de 1814 inseriram o Brasil no comércio internacional, pondo fim a três séculos de monopólio da metrópole portuguesa, fato esse que se fez refletir imediatamente nos países da Europa, principalmente Inglaterra, França e em Gibraltar e Marrocos onde a presença judaica era significativa desde o século XV com a expulsão dos judeus de Espanha e Portugal.

E assim, novas perspectivas surgem para as judiarias sofridas e oprimidas do Marrocos, em particular as de Tetuan e Tânger, duas cidades portuárias.

3. Tratado de Aliança e Amizade

Já há algum tempo (desde fins do século XVIII), com a crise aurífera e o advento da Revolução Industrial, que a dependência portuguesa (de estrutura mercantilista arcaica) à coroa inglesa vinha crescendo. Esta posição ficou patente com a assinatura do Tratado de Methuen (1703), quando os produtos ingleses passaram a ter privilégios de circulação no mercado português:

“(…) o mercado metropolitano luso era franqueado aos panos britânicos, ao mesmo tempo em que o mercado inglês era franqueado aos vinhos que os ingleses fabricavam em Portugal, tudo transportado em navios ingleses e, consequentemente, drenado para a Inglaterra o ouro remetido pelo Brasil.” (Werneck Sodré, N., Formação histórica do Brasil, 1987:142).

Com o advento do Bloqueio Continental, a coroa portuguesa assinou em 22 de outubro de 1807 a Convenção Secreta de Londres, concedendo grandes vantagens comerciais à Inglaterra, que em troca, garantiria a transferência da Corte para o Brasil em caso de conflito desta com a França.

Sob este espírito é  que em 19 de fevereiro de 1810 foram firmados dois tratados, um de comércio e navegação e outro de aliança e amizade, além de uma convenção sobre o serviço de navios entre o Brasil e a Grã Bretanha (Quadros, 1967). Esse tratado permitiu a introdução de manufaturas inglesas de vários produtos.

O Tratado também previa o fim do tráfico negreiro e que não haveria no futuro Tribunal de Inquisição no Brasil.

Na mesma oportunidade, D. João VI permitiu na sede da corte, no Rio de Janeiro, a construção do primeiro templo protestante e a liberdade de culto para os vassalos de S. M. Britânica (…) “contanto que as sobreditas capelas sejam construídas de tal maneira que exteriormente se assemelhem a casa de habitações e também que o uso de sinos não lhes seja permitido”.

É claro que tal resolução obteve algumas oposições do clero local, por temor ao crescimento da heresia em consequência de tais concessões aos anglicanos. Porém D. João manteve-se fiel aos acordos.

4. O fim da Inquisição, em 1821

Estava finalmente aberto o caminho para que se iniciasse a imigração judaica para o Brasil, uma vez que já não haveriam as perseguições religiosas sofridas pelos judeus por mais de quatro séculos.

5. A Constituição Imperial de 1824

Esta constituição em seu artigo número 5 estabeleceu a religião católica como religião oficial, embora todas as outras religiões fossem permitidas desde que em cultos domésticos ou particulares, em casas para isso destinadas, sem forma externa de templo.

Pelo Art. 179 dessa mesma Constituição:  “ninguém mais poderia ser perseguido por motivo de religião, uma vez que respeitasse a do Estado e não ofendesse a moral pública” (E.  Salgado, História e Identidade, a experiência dos judeus no Brasil, 2000: 28).

Apesar das concessões feitas para apaziguar a Igreja, como afirma Benchimol, era esta situação “uma espécie de semiclandestinidade legal para salvar as aparências”, o grande passo está no reconhecimento da prática religiosa dos outros cultos – era um grande avanço. As sinagogas assim poderiam funcionar em casas de famílias judaicas como ocorreu logo de início, quando começou a emigração sefaradi-marroquina para Belém, por volta de 1810. A primeira sinagoga fundada em 1824 ou 1823 – Essel Abraham- deve ter funcionado em alguma casa de família, sem nenhum sinal ou identificação de templo.

6. A primeira Constituição republicana (1890)

Com o advento da Proclamação da República em 15 de novembro de 1889, foi baixado pelo governo provisório o Decreto 119 de 7 de janeiro de 1890, que aboliu a união legal da Igreja com o Estado e instituiu o princípio de plena liberdade de culto.

Nessa época vivia-se o pleno apogeu do ciclo da borracha, e os judeus marroquinos que, desde 1810, estavam emigrando para a Amazônia receberem novo incentivo e alento para continuar emigrando, pois o novo estatuto político permitia que as sinagogas saíssem da semi-clandestinidade para se organizarem como templos de estudo, oração e reunião da comunidade judaica.

Não só as sinagogas passaram à legalidade total, também os imigrantes que já se encontravam no país, muitos deles de forma ilegal. Para eles a nova Constituição previa uma anistia e os convocava a se naturalizarem.

Foi neste período e oportunidade que o judeu marroquino, oriundo da cidade de Rabat, Eliezer Elmaleh, que já se encontrava no país há vários anos (não sabemos afirmar exatamente quantos), pois seus familiares não conseguem precisar o ano de sua entrada no Brasil, só conseguem afirmar que o fez através do porto de Belém; fez seu pedido de naturalização no Cartório de Registros da cidade de Tefé, no interior do Estado do Amazonas.

No ato de sua naturalização, Eliezer, aproveitou a oportunidade para traduzir o seu nome para Lázaro Salgado (5). As razões que levaram Salgado a tal procedimento não estão muito claras. Seus descendentes alegam que ele se sentia incomodado pela dificuldade que possuíam os nativos de pronunciar corretamente o seu sobrenome.

Porém podemos com certeza, encontrar razões mais profundas para tal decisão: Certamente Eliezer sentia uma forte necessidade de externar sua atitude de deixar para traz todo um passado de opressão e dificuldades sofridas no longínquo “mellah” de Rabat e poder abraçar uma nova perspectiva de vida, fazendo-o através desse registro de quase “renascimento”.

Infelizmente também estes registros se perderam. O Cartório da época foi extinto e a família concessionária não preservou os registros.(6)

Eliezer Elmaleh, agora Lázaro Salgado, assim como centenas de outros judeus pobres oriundos do Marrocos que afluíam ao norte do Brasil, traziam na bagagem o sonho de vencer a luta contra as adversidades da selva amazônica, objetivando criar uma base de sobrevivência, com a qual pudessem se estabelecer no país, se adaptando e se aculturando às condições locais e ao mesmo tempo se empenhando na preservação das tradições judaicas de seus ancestrais.

Em entrevista concedida por seu filho primogênito, Rubem Salgado, no Rio de Janeiro, em 30/01/97, este afirma: “Meu pai trabalhava no ‘regatão’ no rio Purus para sustentar seus nove filhos e minha mãe o ajudava fazendo doces e salgados que meu irmão David ajudava a vender.

Éramos muito pobres. Meu pai também servia de ‘chazan’ (cantor litúrgico) e ‘mohel’ (aquele que realiza a circuncisão). Muitas vezes presenciei meu pai chegar à casa de suas viagens pelos rios com pouco dinheiro, mas feliz pelos casamentos, bar-mitzvah (maioridade religiosa) e brit-milah (circuncisão) que havia celebrado”.

“Lembro-me ainda de pequeno os ‘minianim’ (quorum de dez homens com mais de treze anos) que meu pai organizava em nossa casa no ‘Rosh Hashaná’ (Ano Novo) e no ‘Yom Kipur’ (Dia do Perdão)”.
“(…) Meu pai, meu tio Miguel Azulay e Jacob Azulay foram os responsáveis pela vinda do primeiro ‘Sefer Torah’ (pergaminhos da Bíblia) para Manaus. Foi comprado por meu tio Miguel. Graças a eles é que existe a ‘Kehilá’ (comunidade) de Manaus”.

A partir do depoimento acima, que bem serve como exemplar de várias outras famílias de judeus marroquís que imigraram para o norte, podemos inferir que a presença seferadí-marroquina na Amazônia caracteriza-se entre outros aspectos por uma relação de aculturação e preservação. Tal relação foi analisada por Eva Blay em trabalho intitulado “Judeus na Amazônia” (1997), no qual a autora aponta para a manutenção pelos imigrantes judeus dos processos de organização social que os caracterizaram ao longo da história, em seus países de origem, demonstrando tal processo através do uso como paradigma do exemplo dos judeus da Amazônia.

A igual exemplo do caso de Lázaro Salgado, o qual podemos perceber no presente trabalho, Blay narra a trajetória das famílias Benchimol e Athias e conclui:

“Portanto, a distância não significava isolamento nem esquecimento de raízes aprendidas. O isolamento era relativo, os contatos constantes, porém, com longos períodos de afastamento. Obedecendo a um calendário religioso,à beira dos rios, dos igarapés, improvisava-se uma casa de oração, e se reuniam os judeus das ‘proximidades’ – o tempo se media em dias de barco. O calendário judaico era o mesmo que em qualquer parte do mundo”.

O modo de conviver era amazônico – a rede, o alimento vindo do rio, a roupa.

É óbvio que outros judeus tiveram participação na formação da comunidade judaica de Manaus (ver Benchimol,1998), que após o boom da borracha, recebeu ondas de judeus vindos do interior, como foi o caso de Lázaro Salgado e de outras duas centenas de famílias, onde fundaram duas sinagogas:

A Beit Yaacov (1928/29) dos “megorashim” (expulsos de Portugal e Espanha) e a Rabi Meyr dos “toshabim” (nativos do Marrocos) ou “forasteiros”; e um cemitério, em 1929, no qual Salgado foi um dos primeiros enterrados, naquele mesmo ano.

Quem eram aqueles pioneiros judeus?

Provinham, em sua maioria do Marrocos Espanhol (Tetuan e Ceuta) e falavam espanhol e haquitia (dialeto que mesclava o hebraico, espanhol e árabe); do Marrocos Francês (Casablanca); do Marrocos Árabe (Fez, Rabat e outras vilas do interior onde habitavam os “toshabim” (nativos) chamados de “forasteiros” pelos “megorashim”, expulsos de Espanha e Portugal).

Havia também uma outra corrente que se estabeleceu em Belém e Manaus, de origem francesa (Alsácia e Lorena), alemã e britânica (Gibraltar).

Benchimol (Judeus no Ciclo da Borracha, 1994:9) assinala:

“A principal característica desse movimento migratório residia no fato de que, ao contrário da maioria das outras correntes, ela foi uma migração familiar, integrada da mulher e dos filhos, o que assegurava o caráter doméstico e gregário da vida judaica milenarmente presa aos valores culturais e religiosos centralizados em torno das comunidades, que procuravam criar como forma de assegurar a continuidade de sua própria cultura e tradição”.

Os judeus no boom do Ciclo da Borracha

A Amazônia brasileira se destacava como o maior produtor mundial de borracha e o grande boom deste ciclo produtivo se deu entre anos anos 90 do século XIX e a primeira década do século XX, tendo seu ano de pico em 1910, quando foram exportadas 38.547 toneladas de borracha, ao preço de 25,25 milhões de libras esterlinas.

“Esse boom durou mais de 50 anos e fez deslocar cerca de 300.000 nordestinos imigrantes, sobretudo a partir de 1877 e 1888, em virtude da seca.” Durante esse período, a Amazônia foi povoada, também, por grande número de europeus e migrantes portugueses, espanhóis, italianos, franceses, ingleses, alemães, além de sírio-libaneses chegados no final do século XIX.

No entanto, depois dos cearenses e portugueses, a maior contribuição, tanto quantitativa quanto qualitativa, proveio dos sefaraditas marroquinos.” (Benchimol, 1998:75)

Em sua grande maioria “aviada” por algum judeu próspero de Belém e Manaus foram para o interior (7). Muitos desses pioneiros começaram como empregados, balconistas, gerentes de depósito, donos de flutuantes, guarda-livros e terminaram sua carreira como seringalistas e Coronéis de Barranco.

É interessante observar como aqueles judeus “regatões”, praticavam uma atividade que pode ser perfeitamente comparada à de “clienteltic” (ambulante, prestamista) (8) praticada pelos judeus ashkenazitas oriundos da Europa Oriental, com a diferença de que estes comerciavam pelas ruas e os sefaradis pelos rios, isto sem manterem contatos entre eles. (ver Salgado, 2000:43).

A partir de 1911 tem início o período de colapso e estagnação e o advento da crise da borracha. Tem início ,então, uma enorme onda migratória do interior rumo às capitais Belém, Manaus e até Rio e São Paulo.

Como conseqüência desta crise dá-se também um grande número de falências entre as empresas ligadas à produção e à exportação da borracha.

Os judeus da Amazônia e os primórdios do sentimento Nacional judaico no Brasil

Ao pesquisarmos sobre os primórdios do Movimento Sionista no Brasil, (9) encontramos que as primeiras atividades sionistas neste país tiveram início quase que simultaneamente ao início das atividades do movimento na Europa.

No Brasil a iniciativa sionista nasceu no coração da Selva Amazônica, no seio da pequena e distante comunidade sefaradi-marroquina (10), que já na virada do século, travava contato com o diretivo do movimento na Europa. (10)

Eram iniciativas isoladas de um pequeno grupo de pioneiros ativistas, ainda sem nenhum cunho organizativo, fato que só viria a ocorrer na Segunda década deste século.

Nasceu na Amazônia, pois ali existia, como já vimos, já desde as primeiras décadas do século XIX, a única comunidade judaica organizada do Brasil, na cidade de Belém do Pará, e em outros pequenos núcleos isolados do hiterland amazônico. (11)

Nos grandes centros do sudeste brasileiro, não existia naquele então, uma vida judaica estruturada comunitariamente. Fato que se daria somente mais tarde, a partir da segunda década deste século, com o incremento da imigração européia.

Avraham Milgram (12) levanta a questão do porque desta iniciativa: se por razões humanísticas de solidariedade e identificação, (já que nenhuma causa de outro gênero, tal como reação a anti-semitismo, como no caso do ocorrido com os judeus da Europa), poderia ser apontada, dado que os judeus sefaraditas do Marrocos já gozavam de uma vida próspera e tranqüila. E aponta para a necessidade de um estudo mais profundo que assinale causas de tal questão histórica, apesar de citar o incidente ocorrido em 1901, nas cidades de Cametá e Baião, (13) quando várias casas comerciais de judeus foram saqueadas por membros da população local.

Milgram assinala que tal incidente não deixou marcas na história destes sefaraditas. Porém nesse ponto encontrei, um fato posterior que acredito, tenha correlação com tal incidente: trata-se da alteração feita nos estatutos da antiga “Sociedade de Exercício da caridade” (Hebrá Guimilut Hassadim), da comunidade de Belém, de 1902, que na oportunidade incluiu nos seus estatutos um novo objetivo da Hebrá: “defender os irmãos, de qualquer perseguição injusta que por acaso pudessem sofrer em todo o Estado” (14).

Tais atividades sionistas se configuram por correspondências mantidas com o diretivo do Movimento Sionista de então e por parcas contribuições à causa, objetivando a compra de terras na palestina para assentamento de “chalutzim” (pioneiros) e criação de novos núcleos judaicos.

A partir de 1908, ocorre uma mudança de eixo no ativismo brasileiro para o sul do país, quando então inicia atividades o sefaradita José David Peres (nascido em Breves no Pará em 01/03/1883, mas que passa a viver no Rio de Janeiro). Peres foi o fundador do primeiro jornal judeu em língua portuguesa do Brasil – “A Columna” (“Ha Amud”), cujo um dos principais objetivos era a luta em prol da causa sionista. (15)

Tal mudança de eixo parece coincidir com o declínio da iniciativa sionista no seio da comunidade sefaradita marroquina da Amazônia, ocorrida em função de desinteresse aparente pela causa, e dificuldades financeiras. (16)

Nos dois anos que circulou, “A Columna” foi o centro de toda a atividade judaica e sionista da então nascente comunidade judaica brasileira.

A partir de então o Sionismo brasileiro será dirigido pelas comunidades judaicas do sudeste, que tomavam forma organizacional mais consistente, com a chegada de levas imigratórias oriundas da Europa Oriental.

A Segunda Guerra Mundial – O integralismo cabloco e os judeus na Campanha da Borracha
Os anos de guerra eram de efervescência política. A reticência do governo Vargas de se decidir sobre os rumos da participação brasileira no conflito agitavam o país. Na capital amazonense não foi distinto. Nos meses que antecederam a decisão brasileira, conforme testemunho do Prof. Samuel Benchimol(17), políticos e jovens estudantes saíram às ruas para protestar.

De um lado (e dentre eles Benchimol) estavam os partidários da adesão em favor dos aliados, de outro os simpatizantes integralistas da adesão ao Eixo. Como líderes deste bloco podiam ser encontrados Carlos Lostério e o futuro ex-governador do Estado do Amazonas, José Lindoso.

Em 1942 o Brasil finalmente entra na guerra em favor dos aliados.

O período era tenso. No início daquele mesmo ano são assinados os Acordos de Washington, (18) que entre vários itens, determinava que o Brasil, deveria participar no esforço de guerra através do aumento substancial da produção de borracha, dado que os Estados Unidos se viam impossibilitados de acesso à borracha produzida na Ásia devido ao desdobramento do conflito naquela região.

Como conseqüência das determinações de tais acordos, foram criados o Banco da Borracha (Decreto Lei 445 de 9 de julho de 1942), com 55% do capital subscrito pelo governo brasileiro; 40% pela Rubber Reserve Company, uma entidade governamental norte-americana e 5% de subscrição pública; e a  S. A.V. A.- Superintendência de Abastecimento do Vale Amazônico, criada pelo Decreto Lei 5.044 de 04/12/42. (19)

O Banco objetivava dar auxílio financeiro aos seringalistas, cabendo a ele a exclusividade e o monopólio das operações finais de compra e venda da borracha. Tais atividades vem romper com as velhas estruturas do sistema de aviamentos que formavam a cadeia produtiva aviador-seringalista-seringueiro, desbancando aquelas firmas que operavam anteriormente.

Com esta nova realidade muitas das firmas aviadoras tradicionais, dentre elas a judia B.Levy &Cia., a mais importante firma aviadora e proprietária de armazéns de Manaus, passou a ter várias dificuldades que a levaram à falência em 1943.

Já a S. A.V.A., propunha através do Decreto Lei que a criou controlar a estrutura de funcionamento da produção e comércio, bem como o abastecimento.

Naquele período exercia o cargo de Diretor Regional, o ex-secretário de Economia e Finanças do Governo Álvaro Maia, o judeu Rubem Salgado, filho de Lázaro Salgado, que segundo aponta o Prof. Benchimol, ” foi o primeiro judeu de importância publica no Amazonas. Era como o José bíblico da Amazônia. Rubem podia com seu poder transformar-se e também transformar um comerciante em milionário da noite para dia”.(20)

A trajetória de Rubem Salgado (21)

Longa foi a trajetória de vida deste filho de imigrantes pobres do Marrocos até alçar altos cargos no Governo Álvaro Maia, no Estado do Amazonas.

Nascido em Tefé no interior do Amazonas, em 18 de junho de 1901, faleceu no Rio de Janeiro em 08 de novembro de 1999. Filho de Lázaro Salgado e Sime Alves Salgado, passou sua infância em Tefé, onde seu pai trabalhava como “regatão”, viajando pelos rios amazônicos. Ali obteve sua primeira formação secular em escola da cidade e sua formação religiosa obteve em casa dos seus próprios pais. Em 1915, algum tempo após receber sua maioridade religiosa, como era comum entre aqueles imigrantes, foi enviado por seu pai ao Marrocos, à casa de parentes de sua mãe para casar com uma prima “prometida”.

Empreendeu sua viagem via Lisboa, hospedando-se na casa da família Israel, amigos de seu pai. Lá conheceu uma moça de nome Cette, que veio a ser sua futura esposa, sete anos depois em 1921.(22)

Naquele mesmo ano seguiu viagem para Casablanca no Marrocos, lá chegando desfez o compromisso, mas foi convidado por seu anfitrião, Menachem Aflalo a estudar numa escola da Aliança Israelita Universal, onde permaneceu por 3 anos.

De volta ao Brasil, estabeleceu-se no Rio de janeiro, passando a trabalhar na empresa de navegação francesa Chargeaux Réunis.

Foi ali que anos mais tarde aconteceu o encontro que iria modificar de vez sua vida:

No início dos anos 30, estando de viagem ao Rio, o futuro interventor do Amazonas no governo Vargas, Álvaro Maia, (23) recebeu deste o convite para participar de seu governo, por suas aptidões, formação, e por gratidão, pois seu pai Lázaro havia salvado a vida de Maia no rio Purus, conforme depoimento do próprio Rubem Salgado.

Rubem Salgado ingressou então na Fazenda do Estado no ano de 1930.

Assumindo a função inicial de Inspetor de Rendas, função na qual se aposentou em 1954, (24) Salgado exerceu inúmeros cargos de confiança na administração Álvaro Maia, dentre eles o de Diretor da Fazenda do Estado, 1o. Secretário de Finanças e Delegado Regional da S.A.V.A.

Em todas as entrevistas concedidas, Rubem Salgado fez referências, (que também foram confirmadas pelo Prof. Samuel Benchimol), às enormes pressões que sofreu por parte de comerciantes locais, no período de racionamento (a partir de 1942), principalmente por grupos alemães com destaque aos Kramer e também a empresa General Harbour. Eram pressões ligadas a questões econômicas e de abastecimento, mas segundo Salgado de cunho claramente anti-semita, que o atingiam pessoalmente através da imprensa local.

Seu maior desafeto político era Arthur Virgílio, ex- Secretário de Finanças, ex-deputado e Senador.

As pressões levaram Rubem Salgado a tomar uma atitude drástica: abandonou suas funções em 1945 e radicou-se no Rio de Janeiro.

Mais tarde, em 1951 quando assume de novo, desta vez democraticamente o governo no Amazonas, Álvaro Maia, reconduz Rubem Salgado a seu cargo na Fazenda, do qual se aposentou definitivamente em 1954, como já vimos.

Na iniciativa privada, Salgado atuou no Grupo Bennesby, do qual se afastou com mais de 80 anos.

Além de suas funções públicas e empresariais, Salgado dedicou grande parte de sua vida à religião. Sócio Benemérito de sua sinagoga, a Shel Guemilut Hassadim no Rio, foi seu Diretor Financeiro por várias gestões.

Ao falecer deixou uma família numerosa: 7 filhos, 5 netos e 5 bisnetos.


Bibliografia

(1) Graduado em Economia pela U.G.F., com pós-graduação pelo Melton Centre of The Hebrew University of Jerusalém, com dissertação intitulada:”Historia vezehut: haitnassut shel haiehudim be Brasil”. (“História e Identidade: a experiência dos judeus no Brasil” – uma proposta de programa para estudo dos judeus no Brasil. Professor, pesquisador e gestor cultura. Diretor do Portal Amazônia Judaica.
(2) Campanha empreendida pelo governo brasileiro a partir dos Acordos de Washington (1942), objetivando colaborar no esforço de guerra, através de incentivo a extração da borracha.
(3) A citação é do Prof. Samuel Benchimol em seu livro Eretz Amazônia (1998). Ele atribui a informação a Bentes,1987:347, o qual transcreve citação de Manoel Ingberg.
(4) A Alliance Israelite Universelle foi fundada em Paris, em 1860, por J. Carvalho, I. Cohen, N. Leven, A. Cremiux, A. Astruc e E. Manuel, com o apoio financeiro do Barão Maurice Hirsh. Seu objetivo era socorrer e ajudar as populações judaicas necessitadas, trabalhar pela sua emancipação e progresso moral.
(5) O ato de traduzir seu nome consta do livro de Laredo, A. “Les Noms des Juifs du Maroc” ( ), no verbete sobre os Elmaleh, onde ele afirma que “um ramo da família estabelecido no Brasil no final do século XIX, querendo adaptar seu nome à língua portuguesa e pensando que seu significado em árabe é ‘salgado’, o traduziu mal para Salgado”.
(6) Todas as demais informações que possuímos sobre a figura de Eliezer Elmaleh/Lázaro Salgado, nos foram fornecidas por seus filhos Rubem Salgado (no Rio de Janeiro em 30/01/97 e 07/05/98) e David Salgado (em Manaus, 19/08/98).
(7) Benchimol em seu livro Ëretz Amazônia(1998), enumera os seguintes municípios com presença judaica: Breves, Gurupá, Cametá, Naião, Macapá, Afuá, Alenquer, Óbidos, Santarém, Parintins, Maués, Itacoatiara, Coari, Tefé, chegando até Iquitos, na calha central do rio Amazonas. No rio Tapajós: Boim, Aveiros, Itaituba; no rio Madeira: Borba, Manicoré, Humaitá, Porto Velho, Guajará-Mirim e Fortaleza do Abunã; no rio Purus: Lábrea, Bôca do Acre até Rio Branco.
(8) H. Lewin, “A economia errante: A inserção dos imigrantes judeus no processo produtivo brasileiro”, in “Amilat – XI Congresso de Ciência Judaica”.
(9) A presente análise baseia-se em dois artigos anteriores sobre o tema: C. Avni, “The origens of Zionism in Latin America”, in “The jewish presence in Latin America” (Elkin and Gilbert,1987), A. Milgram “Precursors of Zionism in Brazil before the turn of the 20th. Century”, (Frank Cass Journals,1995) e na tese de doutorado de M. Liberman “Judeus na Amazônia Brasileira: Sec. XIX e XX” (1990).
(10) Idem
(11) Idem
(12) “Precursors (…)”
(13) Egon e Frieda Wolff, “Judeus nos Primórdios do Brasil República”,1987.
(14) “Judeus na Amazônia (…)”
(15) Jornal “A Columna”, número 1, 14 de janeiro de 1916
(16) Manaus, 7 de fevereiro de 1907. Arquivo David J. Peres, The Central Archives for the History of the Jewish People, Jerusalem, pag. 124, doc.4
(17) Em entrevista concedida ao autor em 22 de fevereiro de 2000 a partir de Miami e em 26 de abril de 2000 em Manaus.
(18) O Boletim da A.C.A. (Associação Comercial do Amazonas), ano I, número 9 de abril de 1942, pag. 6 e 7, traz artigo sobre o estabelecimento dos acordos, mostrando uma posição favorável e otimista sobre o tema. O “O Jornal”, (veículo de maior circulação de Manaus naquele período) do ano de 1942, traz em vários de seus editais posicionamentos otimistas em relação aos Acordos e assinalam para a possibilidade de uma retomada da produção de borracha e conseqüente crescimento da economia amazonense.
(19) Boletim da A.C.A., número18, janeiro 1943, editou o decreto lei 5.044
(20) Entrevista concedida em Manaus em 6 de agosto de 1998.
(21) Tudo o que aqui apresentamos sobre a sua trajetória pessoal e política baseia-se em depoimentos do próprio, de familiares e contemporâneos seus, excetuando-se o discurso do Prof. Dr. Rubem Azulay, proferido na sinagoga Shel Guimilut Hassadim, no Rio, em 26 de setembro de1998, pela passagem dos seus 97 anos, transcrito para o Boletim da União Israelita Shel Guimilut Hassadim, agosto/setembro de 1998.
(22) Uma referência ao casamento de Rubem Salgado se encontra no verbete ”LÁZARO ELMALEH” de “Genealogia Hebraica” de José Maria Abecassis.
(23) Segundo depoimento de Rubem Salgado em 07/08/98, no Rio, Álvaro Maia estava no Rio para uma audiência com Getúlio Vargas, na qual ficou confirmada sua nomeação para Interventor do Estado do Amazonas, fato verídico: Maia foi Interventor do Amazonas de 193 a 194.
(24) A Portaria número 22 de 1954, da Secretária de Economia e Finanças do Estado do Amazonas, assinada por seu secretário Arhur Virgílio Filho, traz o desligamento de Rubem Salgado de suas funções “considerando os longos e leais serviços prestados à administração pública”.