Ribi Ytzchak Ben Ualid – O Tzadik de Tetuan
Por: Yehuda Benguigui
Dentre as grandes figuras do judaismo marroquino, está o grande chacham Ribi Ytzchak Ben Ualid (*), zichronó tzadik livrachá (tzadik de abençôada memória).
Viveu entrre os séculos XVIII e XIX, sendo reverenciado por todos os judeus do Marrocos e seus descendentes, não poderia ser diferente enquanto à coletividade judaica amazônida, que entre as passadas gerações tinha o tzadik como uma referência familiar, apelando em orações, pedidos, preces e promessas pelo zechut –merecimento desse tzadik. Esse costume ainda permanece vivo no seio de inúmeras famílias e correligionários, apesar de cada vez menos conhecido pelas novas gerações. Não são poucos os casos em que recém nascidos foram chamados Isaac ou na versão hebraica, Ytzchak, em honra ao Tzadik de Tetuan.
Ribi Ytzchak nasceu no ano de 1777 em Tetuan, e faleceu aos 93 anos de idade nessa cidade. Em várias comunidades, ainda hoje se comemora sua Hilulah em 8 de Adar, data de seu falecimento. Em Tetuan, no passado, era grande a concentração de judeus que zoreavam ao redor de sua sepultura por ocasião de sua Hilulah. Atualmente, Ribi Ytzchak é um dos vinte tzadikim que o “Conselho de Comunidades Israelita” – que desde Casablanca dirige os destinos dos judeus do Marrocos- organiza anualmente cerimônias de Hilulah, em Lag Baomer.
A cidade de Tetuan, contou com habitantes judeus desde a idade média. Entretanto, foi a partir do êxodo dos exilados de Castilla, posterior a expulsão dos judeus da Espanha no século XV, é que a mesma floresceu e se constituiu em um grande centro de vida judaicano Marrocos. A infraestrutura religiosa, com suas inúmeras sinagogas, Yeshivot, Beit Din, chachamim e dayanim conferiu a Tetuan a honraria de ser conhecida entre os judeus do Marrocos, como “A pequena Jerusalém”.
O período em que viveu Ribi Ytzchak Ben Ualid, está conectado à idade de ouro do judaísmo sefaradita marroquino. Tendo sido contemporâneo de Rabiunos como Chaim e Vidal Bibas, Hasday Almozonino, Isaac Coriat, Menahem Athias, Yaakov Marrache, Samuel e Vidal Israel.
Ribi Ytzchak era filho de outro grande sabio, Rabi Shem Tov Bar Ytzchak Ben Ualid, que também foi Rabino em Tetuan. Sua família chegou no Marrrocos na leva dos expulsados de Espanha em 1492. descendente de sábios e eruditos, Ribi Ytzchak foi o mais ilustre de sua familia. Foi discipulo de Rabi Ytzchak Barchilon e foi célebre por sua bondade e piedade, o que grangeou o respeito e verdadeira veneração de seus contemporâneos, não só da comunidade judaica, com o também entre a população muçulmana.
Foi Grão-Rabino de Tetuan e Chefe do Alto Tribunal Rabínico (Beith Din) de Tetuan. Autor de um importante tratado de jurisprudência e “responsa” – Vayomer Ytzchak- em dois volumes que é referência entre os estudiosos até os dias de hoje. A obra foi publicada inicialmente em Livorno, nos anos de 1855 e 1876. Reimpresso recentemente em Israel, tem ampla aceitação entre os rabinos sefaradim. Algo interessante, que diz respeito ao judaísmo amazônida, está o fato que no primeiro tomo dessa obra, encontramos uma pergunta feita pela comunidade israelita do Pará, com a respectiva resposta de Ribi Ytzchak. Todo o livro está escrito na grafia Rashí, e presentemente, estamos coordenando com o Rabino Moyses Elmescany, enquanto a interpretração e edição desse material, para posterior difusão do mesmo. Acreditamos tratar-se de um dado importante, especialmente, por ser um documento que atesta o fato da comunidade judaica paraense já estar organizada como tal desde os meados do século XIX, inclusive conectada com os luminares do judaísmo marroquino dessa época.
Ribi Ytzchak manteve uma intensa correspondência sobre assuntos de Halacha e de interpretação do Shulchan Aruch e do Talmud com outros rabinos marroquinos, seus contemporâneos, como Raban Vidal Serfaty de Fez, e os rabinos de Rabat, Meknés e Salé.
Esteve na liderança de sua comunidade num período crucial, durante a guerra com a Espanha e a resultante ocupação da cidade de Tetuan, em 1860. Um de seus grandes legados, foi o equilíbrio que manteve como baluarte das tradições e dos valores morais e espirituais do povo judeu, ao mesmo tempo que manifestava uma extraordinária visão de futuro e modernidade, o que pode ser ilustrado pelo fato de que durante toda sua vida, foi um batalhador pelo cumprimento das mitzvot e da Torah, através de seu rol na Yeshiva e no Beit Din, e ao mesmo tempo, em 1862, já entrado em anos, foi favoravel e permitiu a abertura em Tetuan, da primeira escola da Alliance Israelite Universelle, em todo o Marrocos, por iniciativa do grande filântropo inglês Sir Moses Montefiori. Este fato, permitiu a ocidentalização e a difusão sistematizada do espanhol e do francês, bem como o ensino professionalizante às futuras gerações de jovens marroquinos, o que lhes permitiu uma melhor perspectiva de vida e de padrão social e econômico.
Sua influência era tal, que em 1855, indicado pelo Grão Rabino de todo o Marrocos, naquela época- Ribi Serfaty de Fez, foi a Tânger para escolher o Grão Rabino daquela cidade, em função do falecimento de Rabi Moshé Bengio z’l, que ocupava o cargo. O escolhido por Ribi Ytzchak foi o jovem Rabi Mordechay Bengio z”l, que nessa época contava com 28 anos de idade, mas despontava como um dos mais importantes chachamim de Tânger , havendo ocupado a honrosa função de Grão Rabino por 62 anos, até seu falecimento com a idade de 90 anos, em 1937.
Quando Ribi Ytzchak Ben Ualid completou 90 anos, decidiu que terminareia seus dias em Eretz Israel. Esteve por cerca de um ano em Jerusalém, Tiberiades e Tzefat, mas acabou por regressar a sua natal Tetuan, onde faleceu em 1870.
Os judeus de Tetuan, prestanto uma homenagem a seu filho mais ilustre, e um dos luminares de todo o judaísmo do Marrocos, preservaram intactos vários dos objetos de uso do Tzadik, como sua mesa de trabalho, onde durante anos fazia seus estudos talmúdicos e onde escreveu o “Vayomer Ytzchak”, o cajado com o qual caminhava pelas ruas do Melah de Tetuan, seus Tefelin, bem como sua rica biblioteca pessoal, de mais de 1200 livros raros, tudo isso depositado na humilde Esnoga de Ribi Ytzchak Ben Ualid que esteve ativa até 1974, no Melah de Tetuan. Nesse ano, toda sua biblioteca, bem como os objetos pessoais de Ribi Ytzchak foram transladados a Israel, estando depositados, na Sinagoga e Yeshiva “Vayomer Ytzchak” na Ir Haatiká, em Jerusalem.
Atualmente, a antiga Esnoga de Ribi Ytzchak Ben Ualid, no melah de Tetuan, passa por um projeto de renovação, coordenado pelo Conselho Comunitário de Casablanca.
Tetuan, que chegou a ter nos meados do século XIX 18 Sinagogas, e uma população judaica de mais de 20.000 pessoas, nos anos 60 contava com 12 sinagogas ativas e no momento, conta com somente uma Sinagoga em funcionamento, estando várias outras transformadas em “sinagogas monumentos”, como é o caso da que pertenceu a Ribi Ytzchak, no Melah.
Em 1863, a epidemia de cólera assolou várias cidades do Marrocos. Em Tetuan, a comunidade liderada por Ribi Ytzchak Ben Ualid, juntamente com outros chachamim, ajudaram a cuidar dos doentes, não só os da comunidade, como a população em geral, pelo que, tanto o governo marroquino como o governo francês, fizeram chegar reconhecimentos formais ao tzadik, por cujas ações salvaram milhares de vidas. Por todo o interior, Ribi Ytzchak Ben Ualid ainda hoje é lembrado e considerado também um santo, pela população muçulmana local.
O grande discípulo de Ribi Ytzchak foi Rebi Yeshaya Ben Naim z”l, cujo filho, Rebi Rephael Chaim Moshé Ben Naim z’l, foi igualmente gadol baTorah vebemaassim tovim.
Seus dois filhos, Rebi Shem Tov Bar Ytzchak Ben Ualid z’l e Rebi Vidal Bar Ytzchak Ben Ualid z’l, foram rabinos em Tetuan, sendo que Rebi Shemtov também exerceu o honroso cargo de Grão Rabino de Tetuan a partir de 1872, substituindo a Ribi Ytzchak após seu falecimento.
Outro de seus filhos, Rebi Yossef Bar Ytzchak Ben Ualid z’l, foi rabino na cidade de Oran. Todos estão enterrados em volta de Ribi Ytzchak, no cemitério de Tetuan.
O cemitério judaico de Tetuan, que data do século XV, encontra-se distante do Melah desta cidade. Situa-se em uma colina, na periferia da cidade. É uma visão impressionante, com seus milhares de tumulos divididos em épocas: a área dos “exilados de Castilla”, passando pelas tumbas do século XVIII, XIX e da época contemporânea. No centro,cercado pelas sepulturas de seus filhos e outros descendentes, está a keburah de Ribi Ytzchak Ben Ualid z’l que atestando sua grandiosidade e elevação espiritual, não traz nenhuma inscrição, nem mesmo seu nome. O lugar é conhecido por tradição….
(*) A grafia correta do nome é “Ben Ualid”. Esta é a forma como os judeus remanescentes atualmente, tanto de Tetuan quanto de Tanger se referem a Ribi Ytzchak, bem como a maneira como está nas inscrições nas keburot de seus descendentes. Ainda que existam menções da forma ortografica “Bengualid” que inclusive é a popular na comunidade, entendemos que a correta é a já mencionadas.
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